Neste 13 de julho, o ECA completa 28 anos. 

28anos

Por Francisca Rodrigues de Oliveira Pini

 

Nesta data de 13 de julho de 2018, farei uma breve reflexão sobre o papel estratégico das conferências lúdicas dos direitos da criança e do adolescente, luta do movimento da infância e da adolescência.

 

Primeiro é preciso refletir o que é uma conferência dos direitos da criança e do adolescente? 

 

É um espaço de discussão política para promover a efetiva participação da sociedade civil na avaliação e proposição das ações que efetivam, garantam e promovam os direitos da criança e do adolescente. A partir do pacto federativo estabelecido pela Constituição Federal de 1988, as conferências passaram a ser realizadas nas instâncias nacional, estadual e municipal.

 

Em 1994, foi organizada a I Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. No formato de teleconferência, os participantes comunicaram-se por meio de canais fechados.Cada Estado organizou debates para que as pessoas se manifestassem em relação aos direitos da criança e do adolescente. Os resultados das discussões foram repassados ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA).

 

Os temas tratados nessa Conferência versavam sobre os cinco direitos fundamentais assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

 

A II Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente realizada em 1997, foi organizada com a participação dos governos e membros da sociedade civil, em particular, dos Fóruns de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. 

 

Esta Conferência teve como temas: prevenção e erradicação do trabalho infantil e proteção no trabalho do adolescente; violência e explorações sexuais contra crianças e adolescentes; ato infracional emedidas socioeducativas, conselhos tutelares e fundos dos direitos da criança e do adolescente. Todos os Estados e a maioria dos municípios da federação organizaram-se para garantir a problematização e formulação de propostas para a II Conferência Nacional. 

 

Cabe ressaltar que as conferências Nacional e estaduais passaram a ser precedidas por conferências municipais, a partir da II Conferência Nacional.

 

O município de São Paulo ousou ao planejar, em 1999, sua III Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, quando priorizou, com antecedência, a participação de crianças e adolescentes. A conferência das crianças e dos adolescentes foi denominada Conferência Lúdica, por compreender que os participantes utilizaram-se de diversas expressões para se comunicarem com o mundo; não apenas da fala e da escrita. A riqueza desse momento foi histórica, já que as linguagens eleitas pelas crianças e adolescentes foram: poesia, música, dança, teatro, mímica, por meio das quais expressaram a alegria, a esperança, a brincadeira, a indignação e o sonho por um mundo melhor.

 

Vários adolescentes do município de São Paulo participaram da III Conferência Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. Três deles, foram escolhidos para participar da III Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. 

 

Essa forma que o município de São Paulo encontrou para garantir o direito de participação das crianças e dos adolescentes teve repercussão nacional. Tanto que, na III Conferência Nacional – realizada em 1999, e que teve como tema “Uma década de História, Rumo ao Terceiro Milênio” – educadores e educadoras, participantes de todo o Brasil, receberam calorosamente a proposta apresentada pelos adolescentes. Também, por unanimidade, aprovaram a orientação de que deve ser garantida a participação dos adolescentes nas próximas conferências.

 

Na III Conferência Nacional foi construído um instrumental de avaliação para os municípios registrarem dados com relação às políticas sociais básicas, instâncias e mecanismos jurídicos sociais. O objetivo desse instrumental era traçar um diagnóstico do atendimento à infância e à adolescência em todos os Estados. Infelizmente, não houve sucesso nessa ação, devido ao curto prazo para que os municípios tiveram para responder o instrumental.

 

Entretanto, considerando os avanços em termos históricos, podemos destacar que houve um salto de qualidade em termos de participação na III Conferência Nacional. Gradativamente um maior número de pessoas aproximam-se das reflexões relativas à infância e à adolescência. 

 

É com esse histórico que se realiza, em 2001, a IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, a primeira do novo milênio, com o tema “Crianças, Adolescentes e Violência”, e o lema “Violência é covardia, as marcas ficam na sociedade”.

 

Em São Paulo, precedendo a V Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, reflexões e debates deram o tom à II Conferência Lúdica Municipal e à I Conferência Regional, que seguiram as diretrizes da Comissão de Crianças e Adolescentes, cujos os temas foram: lazer, ludicidade, drogas, transporte, educação, gravidez, moradia, cultura, transporte, adolescência, profissionalização, formação profissional, maioridade penal, protagonismo juvenil, discriminação, esporte, violência, alimentação e divulgação do ECA.

 

Na V Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em 2003, o tema proposto para reflexão foi o “Pacto pela Paz o – uma construção possível”, que avaliou os nove eixos propostos pelo CONANDA, referentes às propostas do pacto pela Paz, firmado na conferência anterior para apresentar, no mínimo nove ações, expressivas e exeqüíveis e direcionar o rompimento do ciclo da violência em que a infância e a adolescência é vítima.

 

A VI Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizada no ano de 2005, propôs a reflexão sobre “Participação, controle social e garantia dos direitos – por uma política para a criança e o adolescente”. Esse tema foi discutido amplamente pelos Estados e municípios, apresentando como desafio a legitimidade dos órgãos e dos espaços de controle social, que representam conquistas sociais relevantes para a construção da política para a criança e o adolescente. 

 

Em 2007, a VII Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente tem como tema “Concretizar direitos humanos de crianças e adolescentes: investimento obrigatório”.

 

Os eixos apresentados pelo CONANDA para a discussão da VII Conferência foram: Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), como marco regulatório do atendimento socioeducativo; Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, marco regulatório da política de proteção; e Orçamento Criança e Adolescente: Garantia de Direitos. É evidente que cada Estado e município, de acordo com sua realidade, poderá acrescentar outros eixos de discussão por avaliarem que são determinantes para concretizar direitos humanos para criança e adolescente. 

 

No ano de 2009, a 8ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente terá como tema “Construindo Diretrizes da Política e do Plano Decenal”. Conforme as orientações do CONANDA, os municípios tiveram que aprovar até duas diretrizes prioritárias por eixo e as remete para a conferência estadual. 

 

No ano de 2012, a 9ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente foi realizada entre 11 e 14 de julho e teve como objetivo o debate sobre a Política Nacional e o Plano Decenal dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente. O grande desafio da Conferência foi mobilizar os principais atores do Sistema de Garantia de Direitos e a população em geral para implementar e monitorar a Política e o Plano. Para isso, a Conferência foi construída com os mesmos cinco eixos estratégicos da Política e do Plano Decenal : 1) Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, 2) Proteção e Defesa dos Direitos, 3) Protagonismo e Participação de Crianças e Adolescentes, 4) Controle Social da Efetivação dos Direitos e 5) Gestão da Política Nacional dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes.

 

Após quatro anos foi realizada a X Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente foi convocada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), por meio da Resolução nº 166,de 5 de junho de 2014, com o tema Política e Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes – Fortalecendo os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. Aconteceu entre os dias 24 e 27 de abril de 2016, no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), em Brasília (DF). Nos mesmos dias e local da X CNDCA, outras três conferências temáticas aconteceram: de Direitos da Pessoa Idosa; dos Direitos da Pessoa com Deficiência e de Políticas Públicas de Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT. Além dessas quatro conferências temáticas, aconteceu entre os dias 27 e 29 de abril a 12ª Conferência Nacional de Direitos Humanos. Todas elas juntas foram chamadas de Conferências Conjuntas de Direitos Humanos. 

 

No contexto da promoção do desenvolvimento integral da criança e do adolescente, devemos priorizar, em nossos debates, as políticas públicas de atenção à criança e ao adolescente, para que debates como a redução da idade penal não avance do ponto de vista jurídico e social. Esse segmento da sociedade que defende, atrela a violência urbana aos atos praticados por parcela dos adolescentes. Querem diminuir a idade penal de 18 para 16 anos, tratando o problema social como problema prisional e de segurança pública, sem considerar as causas da violência.

 

Uma parcela da sociedade tem nos mostrado que a efetiva implementação do ECA é suficiente para o atendimento do adolescente, que por circunstância da vida cometeu algum ato infracional. As medidas socioeducativas – que vão desde a prestação de serviço na comunidade até a internação – têm demonstrado eficiência no trabalho com jovem autor de ato infracional nos Estados que efetivamente estão cumprindo o ECA, como por exemplo, os Estados de Santa Catarina, Pará, Rio Grande do Sul, dentre outros.

 

A partir do momento em que foram envolvidos a criança e o adolescente no processo de participação, a luta social vem se fortalecendo e alcançando uma maior dimensão tanto no plano do movimento social como no plano do poder público, por intermédio dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente.

 

Do ponto de vista cultural os avanços ainda são tímidos, pois a mudança de atitudes exige uma profunda mudança de valores; compreender que não é possível existir o novo sem abertura das velhas formas de fazer política, de interagir com a criança e com o adolescente sem impor sua posição de adulto. Percebê-los como sujeitos dos direitos é assegurar seu direito de participar, de opinar e construir coletivamente as regras, na família, na escola, nos grupos sociais que frequentam.

 

Assim, apreender o conjunto de valores e princípios preconizados pelo ECA requer de cada um de nós olhar a realidade sob o foco de outras lentes. Não se trata apenas de trocar os óculos, mas mudar a forma e o conteúdo do olhar.

 

Essa tem sido a maior batalha a ser vencida na sociedade, pois a cultura punitiva e coercitiva herdada historicamente faz de nós seres humanos reprodutores dessa herança e isso dificulta a compreensão do novo. O novo traz riscos e aceitá-lo exige ousadia. Aliás, quem está preparado, na sociedade, para conviver com os riscos da transformação social?

 

O ECA é um instrumento jurídico pedagógico, social e político e, assumi-lo, exige que pensemos: para quê e por quê?. Muitas pessoas que não se apropriaram de seu significado perguntam qual o sentido de defender uma lei com tantos avanços? Entretanto, nós, educadores, educadoras e profissionais de diversas áreas podemos afirmar que, como tudo no mundo é inacabado o Estatuto da Criança e do Adolescente é um processo histórico e, conseqüentemente incompleto, e não perde sua importância em um país que convive com índices altos da mortalidade infantil, que assegura acesso às escolas de todas as crianças no ensino fundamental, mas não garante a permanência com sucesso, dispõe de um contingente enorme de crianças e adolescentes sendo explorado no trabalho infantil e convivendo com muitas situações de abandono, exploração e violência sexual.

 

Os movimentos sociais são importantes para divulgar, mobilizar, fazer leituras da realidade e propor mudanças nas políticas sociais públicas. Um aspecto em que muito se avançou na esfera federal foi o acompanhamento do Orçamento Participativo Criança, que ocorreu em algumas localidades do Brasil, mas não foi possível monitorá-lo o suficiente para assegurar nas peças orçamentárias a prioridade absoluta.

 

Nesse sentido, temos um longo caminho para trilhar junto ao poder legislativo, que aprova o orçamento, e também com os demais poderes, principalmente em um Brasil que aprovou a emenda constitucional 94/2016, pelo atual desgoverno, o qual impôs o congelamento por 20 anos do investimento público na área social o que colocará uma geração inteira sem nenhum direito social.

 

É evidente que o ECA trouxe algumas inovações enquanto mecanismo de uma nova institucionalidade: o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente criado nas três esferas: municipal, estadual e federal e o Conselho Tutelar, órgão zelador dos direitos da criança e do adolescente, eleito pela comunidade para um mandato de três anos, conforme previsto no ECA. Ambos representam a expressão de uma nova forma de se fazer política com a infância e a adolescência neste país.

 

Há discordância quanto à forma de funcionalidade desses dois organismos, principalmente nos municípios em que o patrimonialismo e o fisiologismo são algo bastante presentes. No entanto, o debate a ser feito é como nós, sociedade civil, poder público, família e comunidade estamos nos apropriando dessas novas construções. Qual é a escola que tem dado conta da tarefa de possibilitar a seus educandos/as a reflexão sobre seus direitos e responsabilidades na sociedade?

 

Sem a pretensão de esgotar essa reflexão, concluímos que precisamos nos aproximar mais da temática da vida como tema central e, junto com as crianças e os adolescentes construir estratégias que possam romper com essa estrutura viciada de uma sociedade que tem produzido em grande escala a desigualdade social e a barbárie. A construção é nossa!

 

É de fundamental importância o espaço de controle social, como as conferências lúdicas e dos direitos da criança e do adolescente em plano regionais, municipais, estaduais e nacional. Um momento para a elaboração de propostas que envolvam o poder público local, a sociedade em geral e a família. Um momento para debater, propor e acompanhar o investimento em políticas sociais que garantam a prioridade absoluta para o pleno desenvolvimento de todas as crianças e adolescentes.

 

Por isso, nos 28 anos do ECA, nós educadoras e educadores temos que continuar impulsionando a organização infanto-juvenil e a participação democrático popular em todos os espaços da vida social. Ser sujeito dos direitos é poder dizer à sociedade que os recursos públicos são da educação, saúde, cultura, esporte lazer e habitação.

 

Não a todos os projetos de lei que buscam retirar os princípios e valores do ECA na perspectiva de negar os direitos humanos de crianças e adolescentes.

 

Aos que lutam cotidianamente com as crianças e adolescentes para que elas sejam sujeitos de direitos e prioridades absolutas são pessoas imprescindíveis na construção deste país.

 

Este texto foi escrito originalmente em 2001 para subsidiar os oficineiros/as da I Conferência Lúdica da Região da Freguesia do Ó e Brasilândia. Há cada dois anos vem sendo atualizado para trazer a memória das conferências dos direitos da criança e do adolescente aos novos participantes.

 

 

Francisca Pini é assistente Social, mestre e doutora pela PUC/SP,  professora de movimentos sociais, políticas sociais e direitos humanos. Foi sócia-fundadora do CEDECA Paulo Freire. Atualmente  é Diretora Pedagógica do Instituto Paulo Freire e Professora Visitante no Curso de Serviço Social da UNIFESP/Campus Baixada Santista.

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